quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O Meu Pai Natal Africano

Certamente que muitos de nós de alguma forma já acreditaram no Pai Natal, portaram-se bem durante o ano, escreveram as cartas e entregaram aos pais para que as levassem até ao correio, mas daí até receber as prendas é que tudo muda. Não que ele seja satânico ou membro dos Iluminatti a tentar passar mensagens subliminares como parece estar todo o mundo da fantasia infantil, segundo lendas urbanas. E esqueçam, esta não é uma estória de encantar, tão pouco de desencantar, mas talvez uma justificação dos desencantos, tentar entender porque é que os presentes do Pai Natal, para muitos se não fosse o esforço dos pais, nunca chegaram ou chegariam.

Para começo de conversa, o Pai Natal ao contrário das guerras, mal nutricção, desertificação, malária, HIV e a corrupção não está destinado aos africanos. Senão vejamos, um indivíduo rechonchudo a tender para obeso a menos que seja um problema de saúde cujo peso aumente independentemente do excesso de calorias e sedentarismo, não seria com certeza africano, este tem de trabalhar o dobro e alimentar-se pela metade se quiser sobreviver; o indivíduo vestes roupas quentes de Inverno, aqui temos um Cacimbo quente como nunca será o Verão do Polo Norte, portanto aquelas roupas são no mínimo ridículas aqui, quanto ao trenó este não desliza sobre desertos, estepes, savanas ou florestas, que funcionam com tracção animal de Renas voadoras, se isso acontecesse aqui seria pura magia-negra e o responsável seria apedrejado até a morte; e até mesmo no mundo da feitiçaria africana o uso Renas devia ser demoníaco com tantos outros veados que temos, e a entrada pela chaminé pouco provável porque não fazemos muito o uso delas, nas cubatas não existem, os arquitectos não as projectam e ultimamente há aquecedores eléctricos, o que complica; com essas questões todas é pouco provável que o Santa Claus sobrevivesse por essas bandas!

As crianças aqui, grande parte não sabe escrever porque nunca tiveram uma escola, os correios não funcionam, as pessoas enviam encomendas por amigos e parentes. Além que brinquedos as próprias crianças constroem, com os materiais que vão encontrando, isso quando não estão preocupadas a trabalhar ou a serem soldados numa guerra qualquer agitados pelos amigos do Papai Noel. O Santa Claus responde as cartas em 8 línguas oficiais e nenhuma delas é o Shoza, Kisuahili, Umbundo ou Lingala.Mas parece que desde que a Coca-Cola incentivou que a bebessem mesmo no inverno através doo Pai Natal, um Natal sem ele não é Natal, um Natal em que não se compra e não se vende parece não ser um dia de Família ou então pior, Jesus não nasce. Sem aqueles embrulhos enfeitados debaixo da árvore de Natal não há felicidade e aqueles desejos de Feliz Natal ficam vãos, porque o Natal que era do menino Jesus agora é do Pai Natal, e as famílias não mais se sentam para celebrarem o facto de se terem uns aos outros, mas de trocarem as coisas que o Pai Natal tras os iPads, One Million, Beat's by Dr. Dre, Porshes, Barbies, Boses, Chicos e a lista continua.Se o Pai Natal tivesse um cajado, a baraba farta grisalha, de calções a arejar, a andar num carrro puxado por uma Palanca e descesse cubata adentro eu me portaria bem durante o ano, tocava uma marimba que ele ouvisse, cantaria uma canção e pediria duas únicas prendas para África: Paz e Desenvolvimento.

Por: Nobre Cawaia
16/12/2012

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

MARCHAR, SIM. VIOLÊNCIA, BASTA!


Passaram 15 dias desde a criação do evento no Facebook denominado Marcha a Não-violência, o que também ficou para trás foi a ‘ressaca’ de quem como eu viveu todos os momentos desta; o antes, o durante e o depois.

Como simples usuário da rede social acompanhei ao desespero de familiares e amigos a procura de Jorge Valério, no que primeiro parecia vulgar brincadeira de spam ou pishing, acabou na segunda-feira 1 de Outubro, a confirmar a morte do jovem também conhecido musicalmente por Jay Jay. A desolação, o choque e o medo apoderaram-se de mim, não o conhecia, nunca o vira nem mais gordo ou mais magro, porém, os relatos da forma bárbara como tinha acabado a sua vida, desafiava de todas as formas a minha compreensão enquanto humano. Na verdade aquela notícia para mim, era ‘o demais’ de tanta violência, era o atingir da exaustão de tantos outros relatos cruéis e trágicos, de uma sociedade que afinal era sanguinária, sombria e algo doentia.

A única reacção, diante da impotência que sentia ante o tamanho horror e dor, foi juntar-me a corajosa Níria, que com a Euma e a Dânia propunham-se a sair Luanda adentro a gritar que bastava tanta violência. Primeiro partilhei o evento, depois entrei em contacto com elas a mostrar toda a minha disponibilidade; e como que em telepatia, ligou-me o Sorge amigo e colega de outras causas que também entrara para a fila dos indignados e já tinha falado com as meninas, daí a surgir o René que já estava mais ou menos informado e a Marisa (os únicos que entraram para o grupo sem ter contacto prévio sobre o evento virtualmente), foi só necessitar de pessoas disponíveis para a subscrição da Comunicação dirigida ao Governo Provincial de Luanda para a Realização da marcha.

Neste mesmo dia 3 de Outubro de 2012, quarta-feira estávamos decididos a sair a rua e esta determinação ganhou mais força, após a primeira reunião no Cassenda, a luz de velas na casa do Sorge, éramos desconhecidos uns dos outros, pelo menos as raparigas versus rapazes mais a Marisa, mas o repúdio a violência juntou-nos e deu-nos uma identidade de grupo só vista em amigos de infância. Cúmplices, traçamos o plano de acção e não dormimos até que o que nos propusemos fazer estivesse completo.

Na internet, mais propriamente Facebook nossa base de mobilização, existia uma onde de incentivo e procura de mais informação sobre o evento, uma das questões mais confusas era a da hora, visto que na criação do evento marcávamos para as 9 horas de sábado, e as pessoas não superavam a alteração que afinal tinha sido feita no mesmo dia. Mas apareciam coisas confusas, como a rebaixarem a vida humana à falta de luz, o repúdio por ter sido ‘somente’ pela morte do Jay Jay sendo que tinham havido várias, enfim incompreensões sobre as reais intenções de um grupo de jovens que apenas não queria cruzar os bruços diante da selvajaria dos crimes violentos de qualquer natureza, independentemente da sua vítima ou predador.

Não faltou inclusive assédios políticos de todos os lados, a que rapidamente rejeitamos, reiterando que a marcha não era político-partidária, religiosa, desportivo-cultural, com finalidade lucrativa ou de qualquer outra índole que não fosse o repúdio a violência de todas as suas formas e contra todos independentemente da sua condição social, económica, rácica, género, etnia, ou qualquer outra.
Fomos intransigentes no nosso propósito, foi exaustivo. Nalguns momentos desentendíamos nos pontos de vista, porém partilhávamos tudo, enquanto cultivávamos amizade entre nós, respeito e disciplina pelo trabalho, vivemos bons momentos de camaradagem.

Recebemos apoios de muita boa gente que se juntou a causa, pois eram daqueles que gostavam mesmo de ver um verdadeiro movimento cívico a emergir, o movimento espontâneo de cidadão a fazer pressão social, a cultivar o pensar Angola antes de qualquer divergência que existisse entre nós angolanos e assim fizemos. Gritamos na imprensa, esclarecemos as pessoas, atendemos o telefone, mandamos mensagens, apagamos comentários, sempre no sentido de se respeitar o objectivo preconizado.

Enfim o sábado, já estávamos no dia D, a poucas horas da hora H, nós qual lavradores levantamo-nos cedo, escrevemos o manifesto, confirmamos os escuteiros, estivamos a água, testamos os megafones, montamos os dísticos, falávamos com os agentes da ordem e os bombeiros, envergamos as t-shirt’s, recebíamos as pessoas estávamos quase prontos para marchar…

Até que enquanto concertávamos o esquema para partir, fomos abruptamente interrompidos com a informação de se estava a distribuir panfletos com nomes de assassinos. Ficamos espantados, porque antes alertámos que não era uma marcha de vingança e a família do Jay Jay, principalmente seu pai, senhor Cristo foi extremamente compreensível entendeu o propósito da marca e encarnou o espírito, os parentes e amigos foram muitíssimos úteis e nos apoiaram em grande medida, sem eles a marcha seria um pouco menos. Então quem estaria a causar tal distúrbio, antes mesmo que tomássemos conta da situação vimos civis a agredir outros, nos apercebemos serem na verdade os denominados ‘centraleiros’ que desde o primeiro momento juntaram-se a causa e nós não compreendíamos o que se tinha passado, apenas pedimos que se acalmassem e explicassem. Não entendemos até hoje, entretanto eles continuaram a marcha connosco em frente levando um dos dísticos, apreciamos  a capacidade de superação.

Depois destas desinteligências, seguiram-se as palavras do Réne com o código(zinho) de conduta a ser observado durante a marcha, da Níria sobre o propósito da marcha e do Cónego para que marchássemos com calma, foi sugestão da família do Jay Jay e nós aceitamos. Assim, quando eram 17horas em ponto, a nossa hora H, a marcha começou, foi difícil, sinuosa porque fazíamos questão de não sujar, nem destruir a Baía de Luanda recém reabilitada, na estrada estavam rapazes de motorizadas, bicicletas e patins a seguirem as carrinhas com água que distribuímos ao pessoal, foi tudo espontâneo e voluntário.

Houve um momento em que ficou impossível caminha no passeio e entramos para a estrada. A multidão além das palavras de ordem umas nossas e tantas outras espontâneas, a dado momento soltara-se os balões brancos distribuídos no início, nessa altura olhei para trás e tive a real noção de que afinal éramos milhares a gritar contra a violência, nesses milhares viam-se mesmo alguns rostos mediáticos.

Foi escurecendo, acenderam-se a velas em memória de todas as vítimas de violência, neste momento estava anestesiado de todo o cansaço de correria de frente para trás, distribuição de água, algumas incompreensões com os meus colegas organizadores, gritos no megafone e fiquei na contemplação até ao ajuntamento de todo o mundo na areia no término da marcha em frente a casa do desportista.

Lembra-me de ver os nossos amigos do staff sempre incansáveis desde as primeiras horas da manhã a ajudarem as pessoas, de estarmos em discussão interna sobre uma alteração básica no programa, calei-me queria ter fôlego para ler o manifesto; e fiz, só mais tarde é que vi fotografias de pessoas a chorarem enquanto eu lia, mas durante a leitura nunca me senti sozinho, e não era pelo facto de a imprensa estar defronte a mim, mas porque a cada basta, os participantes da marcha repetiam comigo basta, basta, basta.

Nós só queríamos chamar a atenção da sociedade sobre o mal da violência entre nós, mas tivemos o bónus da comunhão, de congregarmos pessoas de variada diferenças desde origem, forma de pensar à estar. A acusação de que éramos de uma elite a qual o Jay Jay pertencia e defendíamos não nos arreliava, afinal não era um desfile para que soubessem quem somos, nem tão pouco desfilarmos a nossas biografias. Só queríamos dizer basta de tanta atrocidade.

Findas as contas as pessoas falam connosco, que devíamos continuar e assim faremos, ainda não sabemos como mas só o facto de termos levado mais de 3 mil pessoas a rua, fez com que sentíssemos que podemos fazer alguma diferença, com pequenos gestos e pequenas acções. Só queríamos fazer pressão social, só queríamos dar voz as vítimas, mas fizemos também amigos, reconheceram-nos enquanto cidadãos activos e seremos enquanto acharmos que determinadas causas precisam de nós.
Estas palavras são para a Níria que nunca desistas dos teus sonhos, Euma sou teu fã, Dânia a tua energia é fantástica, Marisa o meu afilhado já tem história, Sorge outra vez juntos noutra luta, de tantas outras que teremos e René obrigado amigo, vocês fizeram-me acreditar mais no futuro, na capacidade e sensibilidade das pessoas.

Obrigado!

Em cima, da esquerda para direita: Marisa, Dânia, Níria e Euma. Em baixo, da esquerda para a direita: René, Sorge e Adalberto.