terça-feira, 9 de agosto de 2011

Inventário da Minha Infância


‘Já chegamos, já chegamos camarada, aqui estamos de novo, com vontade de recordar, vamos o passado abrir, aprender o que ele ensina recordar é viver’.

Quando estudar era um dever revolucionário, começávamos assim a 2.ª classe, decorávamos este texto, embora adaptado a uma nostalgia do pretérito, com ajuda da ‘maria-das-dores’ que para muitos funcionava como elixir da disciplina, pois só ela que na escola, casa ou igreja conseguia de facto incutir valores, hoje reprovada por ser violenta, arcaica e contra os direitos das crianças, crianças hoje rebeldes sem causa e desconhecedoras de limites, que não sejam os seus caprichos. Nos esforçávamos para não ficar no lado dos burros e nunca achamos que haver uma fila de burros e outra dos inteligentes era discriminação

Naquele tempo, se não era o Bicar-Bidons, era Dançar nas Cadeiras, jogar ao 35 Vitória, saltar a Semana na corda, jogar a Lata Latinha, simular um Pai e Mãe, jogar ao Tandavale, perguntar se o Lencinho que estava na mão já caíra, apalpar e reconhecer mesmo sendo Cabra-Cega, numa infinidade de jogos e brincadeiras cuja lista interminável desafiava o nosso físico e a nossa imaginação, o companheirismo e cumplicidade, nascia ai com, os primos, os amigos os colegas e os vizinhos que de dia ou de noite, denunciados pelo Sol ou escondidos pela Lua éramos imparáveis.

Cantávamos e encantávamo-nos com a Moringa Pesada do Lucas de Brito, a Mangonha das Gingas do Maculusso, a Professora da Isidora Campos, o Passeio à Huíla da Chana Fançony e Analisa, Bolinha no Pé da Nila Borja, Vamos Dançar da Clélia Sambo, Mamborrô do Mamborrô, Meu Mundo, Mundo Nosso do Dilson e Dinamena que eram delícias da rádio no Caluanda Piô, e na televisão o Carrossel, sem esquecer as populares Atirei o Pau ao Gato, Todos os Patinhos e tantas outras canções…

Criávamos e recriámos os nossos brinquedos das latas e dos fios metálicos, das jantes e dos pneus de carros e de bicicletas, dos botões arrancados dos vestuários, do sapupu de milho e de qualquer outra coisa que servisse de matéria-prima para a materialização da nossa imaginação em que quem tinha habilidade era feliz, quem não tinha comprava dos carros de lata às bonecas de pano.

Deliciávamos dos quitutes da meninice e similares como a paracuca, o galete, o micate, o chupa-chupa, o pé-de-moleque, o estica, o gelado, o algodão doce, a pipoca e ainda a fruta da época que podia ser o maboque, a goiaba, a manga, a banana, a laranja, a gajaja, o loengo, a fruta-pinha, o figo e tantas outras coisas saborosas cujo nome foge ficando apenas a lembrança do sabor e do cheiro.

A televisão víamos a partir das 15 horas até ao chichi-cama, mas dava-nos imensa felicidade assistir a sucessos como o das séries Carrusel del Niños, Chispita, Vovó e Eu, Verão Azul, o musical Balão Mágico ou os desenhos animados He-Man, Micha, Clementine entre outros que eram tão educativos quanto animados.

Éramos muito vaidosos aos domingos, natais e aniversários todos arrumadinhos perdidos entre meias altas, laços, calções, vestidos e suspensórios que ou eram herdados dos irmãos mais velhos, ou escolhidos do fardo ou cozidos pela modista ou alfaiate, poucos usavam roupa nova.

Vivíamos quase exclusivamente para o Natal e o 1.º de Junho que era tão significativo quanto gratificante pelas prendas que recebíamos.

Enquanto isso, o país atravessava situações dificílimas que a nossa infância aceitou e deixou passar ao largo, hoje olhamos para trás e sentimos que de facto éramos felizes e não sabíamos e agarramo-nos a este passado não tão distante como celebração a felicidade, sem que o recreemos aos nossos filhos que vão aparecendo a medida que o tempo passa dando lugar a outras gentes e outros inventários.

Por: Nobre Cawaia